Manejo de Insuficiência e Encefalopatia Hepática

1. Avaliação Inicial

  1. História Clínica e Exame Físico:
    • Coleta detalhada de dados sobre a história médica, incluindo uso de álcool, hepatites virais, uso de medicamentos hepatotóxicos, história familiar de doenças hepáticas e outras comorbidades.
    • Exame físico minucioso com foco em sinais de insuficiência hepática, ascite, encefalopatia hepática, icterícia e sinais de sangramento.
  2. Classificação de Child-Pugh:
    • Avaliação inicial usando o escore de Child-Pugh:
      • Encefalopatia hepática: Nenhuma (1 ponto), leve a moderada (2 pontos), grave (3 pontos).
      • Ascite: Nenhuma (1 ponto), leve a moderada (2 pontos), grave (3 pontos).
      • Bilirrubina total: <2 mg/dL (1 ponto), 2-3 mg/dL (2 pontos), >3 mg/dL (3 pontos).
      • Albumina: >3,5 g/dL (1 ponto), 2,8-3,5 g/dL (2 pontos), <2,8 g/dL (3 pontos).
      • Tempo de protrombina (INR): <1,7 (1 ponto), 1,7-2,3 (2 pontos), >2,3 (3 pontos).
    • Classificação:
      • Classe A: 5-6 pontos (Insuficiência leve).
      • Classe B: 7-9 pontos (Insuficiência moderada).
      • Classe C: 10-15 pontos (Insuficiência grave).

2. Monitoramento e Suporte

  1. Monitoramento Contínuo:
    • Monitoramento contínuo de sinais vitais: pressão arterial, frequência cardíaca, saturação de oxigênio e temperatura.
    • Monitoramento invasivo da PAM se o paciente estiver em choque.
    • Controle estrito da diurese e balanço hídrico.
  2. Exames Laboratoriais:
    • Exames iniciais: hemograma completo, eletrólitos, função renal (ureia e creatinina), perfil hepático (AST, ALT, FA, GGT, bilirrubina total e frações), coagulograma (TP, INR, TTPA), albumina, lactato e glicemia capilar.
    • Gasometria arterial a cada 4-6 horas para pacientes em ventilação mecânica ou com instabilidade hemodinâmica.
  3. Suporte Hemodinâmico:
    • Manter PAM ≥65 mmHg.
    • Reposição volêmica com cristaloides, evitando sobrecarga de volume.
    • Vasopressores (noradrenalina) para manutenção da PAM adequada em casos de choque.
  4. Controle Glicêmico:
    • Manter glicemia entre 140-180 mg/dL.
    • Controle de glicemia a cada 1-2 horas.
    • Insulina intravenosa conforme protocolo de insulina da UTI.

3. Manejo das Complicações

  1. Encefalopatia Hepática:
    • Grau de Encefalopatia:
      • Grau I: Alterações leves de personalidade, distúrbios do sono, falta de concentração, tremores finos.
      • Grau II: Letargia, desorientação, inversão do ciclo sono-vigília, asterixe.
      • Grau III: Confusão, comportamento aberrante, sonolência pronunciada.
      • Grau IV: Coma, ausência de resposta a estímulos.
    • Tratamento:
      • Lactulose: Iniciar com 20-30 g por via oral ou por sonda nasogástrica, ajustar para 2-3 evacuações diárias. Em casos graves, considerar lactulose retal (300 mL em 700 mL de água ou solução salina a cada 6-8 horas).
      • Medidas Gerais: Correção de fatores precipitantes (infecções, hemorragia gastrointestinal, desequilíbrios eletrolíticos).
      • Monitoramento: Níveis de amônia sérica, estado mental e resposta ao tratamento.
    • Controle de Agitação Psicomotora:
      • Evitar benzodiazepínicos, pois podem piorar a encefalopatia.
      • Preferir antipsicóticos como haloperidol em doses baixas ou quetiapina para controle da agitação.
  2. Ascite:
    • Restrição de sódio (2 g/dia).
    • Diuréticos: espironolactona (iniciar com 100 mg/dia) e furosemida (iniciar com 40 mg/dia), ajustar conforme resposta clínica e eletrolítica.
    • Paracentese terapêutica para ascite refratária ou com sintomas graves.
    • Albumina intravenosa (8 g/L de líquido removido) em grandes volumes de paracentese (>5 litros).
  3. Sangramento Varicoso:
    • Estabilização hemodinâmica com reposição volêmica e produtos sanguíneos conforme necessidade.
    • Octreotide (50 mcg IV em bolus seguido de 50 mcg/hora de infusão contínua) por 2-5 dias. Diluir em solução salina ou glicose 5%.
    • Endoscopia digestiva alta para ligadura elástica de varizes.
    • Profilaxia antibiótica com ceftriaxona 1 g IV ao dia por 7 dias.
  4. Infecções:
    • Obtenção de culturas: hemocultura, urocultura, cultura de ascite e culturas de secreções pertinentes.
    • Início imediato de antibióticos de amplo espectro, preferencialmente ceftriaxona 1 g IV ao dia, ajustando conforme resultados de culturas e guidelines nacionais.
  5. Disfunção Renal (Síndrome Hepatorrenal):
    • Diagnóstico diferencial com outras causas de insuficiência renal aguda.
    • Manter volume intravascular adequado.
    • Albumina intravenosa (1 g/kg no primeiro dia, seguido de 20-40 g/dia).
    • Vasoconstritores: noradrenalina para melhora da perfusão renal.

4. Considerações Finais

  1. Nutrição:
    • Iniciar suporte nutricional precoce, preferencialmente via enteral.
    • Avaliar e ajustar a dieta para atender às necessidades calóricas e proteicas do paciente, considerando suplementação de vitaminas e minerais.
  2. Planejamento de Transplante Hepático:
    • Avaliação para transplante hepático em pacientes com insuficiência hepática grave ou critérios de transplante.
    • Coordenação com a equipe de transplante hepático para avaliação e listagem.
  3. Cuidados Paliativos:
    • Discussão sobre prognóstico com paciente e familiares, envolvendo a equipe de cuidados paliativos quando apropriado.
    • Implementação de medidas de conforto e alívio de sintomas conforme necessário.
    • Determinação de Quadro Terminal:
      • Considerar quadro terminal quando o paciente não responde a terapias intensivas, com falência multiorgânica, e sem perspectivas de transplante hepático.
      • Implementar cuidados paliativos completos focados no conforto e na qualidade de vida do paciente.
  4. Revisão e Ajustes:
    • Revisão diária do plano de manejo com a equipe multidisciplinar.
    • Ajustes terapêuticos baseados na evolução clínica e laboratorial do paciente.
    • Reavaliação periódica dos critérios de Child-Pugh para monitoramento da progressão da doença.

5. Frequência de Reavaliação

  • Avaliação clínica e laboratorial: diária, com ajustes conforme necessidade.
  • Monitoramento de sinais vitais: contínuo.
  • Revisão de exames laboratoriais principais: pelo menos uma vez por turno ou conforme a situação clínica.
  • Gasometria arterial: conforme estado respiratório e hemodinâmico do paciente, a cada 4-6 horas se necessário.