A sedação é a depressão da consciência do paciente em relação ao ambiente e a redução de sua capacidade de resposta a estímulos externos.
Objetivos da sedação na UTI
- Permitir que os pacientes tolerem procedimentos dolorosos / angustiantes (por exemplo, intubação endotraqueal, linhas invasivas)
- Otimizar a ventilação mecânica (por exemplo, tolerar hipercapnéia permissiva)
- Diminuir o consumo de O2 (por exemplo, na sepse)
- Diminuir a PIC em pacientes neurocirúrgicos
- Facilitar o resfriamento (por exemplo, hipotermia terapêutica)
- Controlar a agitação
- Reduzir a ansiedade
Os agentes sedativos também têm vários graus de efeitos associados, que podem ser dose-dependentes, tais como:
- Ansiólise – alívio da apreensão ou agitação com alteração mínima do sensório
- Amnésia – perda de memória por um período de tempo
- Analgesia – alívio da dor sem alteração do sensório
- Anestesia – perda de sensibilidade
Profundidade de sedação
A profundidade da sedação é um continuum, que pode ser classificado subjetivamente como:
- Sedação mínima – apenas ansiólise
- Sedação moderada — responsiva a estímulos verbais ou táteis (verbal ou tátil); reflexos das vias aéreas, ventilação espontânea e função cardiovascular são mantidos.
- Sedação profunda — responsiva propositalmente a estímulos repetidos ou dolorosos; os reflexos das vias aéreas ou a ventilação espontânea podem não ser mantidos, mas a função cardiovascular é preservada.
- Anestesia geral – estado de inconsciência e profunda falta de resposta, de tal forma que o sistema nervoso autônomo é incapaz de responder a estímulos cirúrgicos ou de procedimentos.
- Dissociação — um tipo distinto de sedação moderada característica das fenciclidinas, como a cetamina, que causa uma desconexão entre o sistema talamoneocortical e os sistemas límbicos, impedindo que os centros superiores recebam estímulos sensoriais. Os reflexos das vias aéreas, a ventilação espontânea e a função cardiovascular são todos mantidos.
Monitoramento da profundidade da sedação
O moinitoramento da profundidade da sedação pode ser obtido por avaliação clínica ou monitoramento fisiológico.
Avaliação clínica subjetiva
A escala de RASS (Richmond Agitation-Sedation Score) é a ferramenta mais validada e mais utilizada para avaliar a profundidade da sedação.
Apresenta como vantagem sobre a escala de Ramsay a graduação do nível de agitação e ansiedade, pois vê a sedação e a agitação como um continuum.
Essa escala tem quatro níveis de agitação graduados de forma crescente, e mais cinco níveis de sedação graduados de um a cinco negativos. A parte negativa da escala é equivalente ao proposto pela escala de Ramsay, enquanto que os escores positivos discriminam graus de agitação que vão de inquieto a combativo (agressivo).
A escala de RASS não é útil em pacientes que recebem agentes bloqueadores neuromusculares.
Escala de Richmond (Richmond Agitation-Sedation Score – RASS)
Descrição | Termos | Pontuação |
---|---|---|
Francamente combativo, violento, levando a perigo imediato da equipe de saúde | Combativo | 4 |
Agressivo, pode puxar tubos e cateteres | Muito agitado | 3 |
Movimentos não intencionais frequentes, briga com o respirador (se estiver em ventilação mecânica) | Agitado | 2 |
Ansioso, inquieto, mas não agressivo | Inquieto | 1 |
Acordado e dentro da normalidade | Alerta e calmo | 0 |
Não completamente alerta, mas mantém olhos abertos e contato ocular ao estímulo verbal por aproximadamente 10 segundos | Sonolento | -1 |
Desperta ao ser estimulado e mantém contato ocular ao estímulo verbal por menos de 10 segundos | Sedado leve | -2 |
Movimento ou abertura dos olhos, mas sem contato ocular com o examinador | Sedado moderado | -3 |
Sem resposta ao estímulo verbal, mas tem movimentos ou abertura ocular ao estímulo tátil/físico | Sedado profundamente | -4 |
Sem resposta aos estímulos verbais ou exame físico | Não desperta/Coma | -5 |
Avaliação fisiológica objetiva
Embora sejam medidas objetivas da função cerebral (por exemplo, AEPs, BIS, NI, PSI ou SE), são substitutos ruins para a avaliação clínica.
As medidas objetivas da função cerebral podem ser usadas como adjuvante em pacientes de UTI que estão recebendo agentes bloqueadores neuromusculares.
O monitoramento de EEG pode ser usado para:
- monitorar a atividade cerebral em pacientes adultos de UTI com convulsões conhecidas ou suspeitas
- titular medicação eletrossupressora para obter supressão de explosão em pacientes adultos de UTI com PIC elevada
Planejamento da sedação
A profundidade da sedação deve ser o mais superficial possível, o suficiente para os objetivos que a indicaram.
A pontuação ideal de manutenção é de RASS -2; pacientes graves ou agitados podem precisar de RASS -3, -4, ou até -5.
Para evitar a sedação mais profunda do que o necessário:
- Controlar causas reversíveis de agitação (dor, hipoxemia, hipotensão, hipoglicemia, delirium);
- Melhorar o ambiente (controlar o ruído, reduzir exposição do paciente, manter temperatura estável e adequada, evitar iluminação excessiva);
- Documentar diariamente o nível de sedação;
- Ter como meta a redução diária da dose do sedativo;
- Pacientes com doses elevadas ou > 7 dias de sedação: reduzir 20 – 25% da dose diariamente, se possível;
- Revisar as taxas de infusão após qualquer procedimento;
- Tratar a dor com bolus de analgésicos (por exemplo, morfina ou fentanil), fazer apenas pequenos aumentos nas taxas de infusão basais;
- Evitar sedação profunda prolongada sempre que possível;
- Preferir a dexmedetomidina em pacientes delirantes que requerem sedação contínua.
- Seguir o protocolo de sedação.
Evidência
Resumo das diretrizes de prática clínica de Jacobi et al (2002):
- A manutenção de níveis leves de sedação em pacientes adultos de UTI está associada a melhores resultados clínicos
- menor duração da ventilação mecânica
- menor tempo de permanência na UTI
- A manutenção de níveis leves de sedação aumenta a resposta fisiológica ao estresse, mas não está associada a um aumento da incidência de isquemia miocárdica
- A associação entre a profundidade da sedação e o estresse psicológico em pacientes levemente sedados não é clara
- A Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS) e a Sedation-Agitation Scale (SAS) são as ferramentas de avaliação de sedação mais válidas e confiáveis para medir a qualidade e a profundidade da sedação em pacientes adultos de UTI
- sedativos não benzodiazepínicos (propofol ou dexmedetomidina) podem ser preferidos à sedação com benzodiazepínicos (midazolam ou lorazepam) para melhorar os resultados clínicos em pacientes adultos em UTI ventilados mecanicamente
Agentes comumente usados
- Benzodiazepínicos: Efeito sedativo, ansiolítico e de amnésia. São revertidos com a administração de Flumazenil por via EV, porém é contraindicado após infusões prolongadas, pelo risco de abstinência. Podem eventualmente causar hipotensão, dependência e indução de delirium. Possuem ação sinérgica com opioides
- Diazepam: 1 a 10mg (0,2 a 0,3mg/kg) EV, diluído, lentamente; Considerar doses adicionais.
- Midazolam: 0,03 a 0,3mg/kg em bolus em incrementos de 1 a 2,5mg, seguido por 0,03 a 0,2 mg/kg/h em bomba infusora.
- Opioides: Auxiliam na sedação, pois proporcionam analgesia. Em geral não produzem amnésia. Podem causar efeitos colaterais (redução da motilidade intestinal, bradicardia).
- Fentanil: 1 a 3 mcg/kg em bolus, seguido por 0,6 a 1,8 mcg/kg/hora contínuo;
- Alfentanil: 10 a 25 mcg/kg, seguido por 0,25 a 1 mcg/kg/min contínuo.
- Propofol: Anestésico geral que possui efeito sedativo em doses menores. Utilizar com cuidado em pacientes com instabilidade hemodinâmica (risco de hipotensão). Fundamental no neurointensivismo, pois proporciona redução do metabolismo cerebral e da pressão intracraniana. O uso em altas doses (> 83 mcg/kg/min) e por tempo prolongado (> 3 dias) pode causar a síndrome de infusão do Propofol (acidose metabólica, arritmias, hiperlipidemia e evolução para parada cardiorrespiratória), para a qual não há tratamento específico.
- Propofol: 250 a 1000 mcg/kg em bolus, seguido por 10 a 50 mcg/kg/min contínuo.
- Agonista Alfa2-central: Utilizado como sedativo e analgésico com característica de despertar rápido, o que facilita a reavaliação neurológica. Não desencadeia depressão respiratória. Foi associado a menor tempo para extubação e menor índice de delirium. Pode desencadear bradicardia em altas doses (> 0,7 mcg/kg/h), além do risco teórico de hipotensão.
- Dexmedetomidina: 1 mcg/kg em bolus, seguido por 0,2 a 0,7 mcg/kg/h.
- Cetamina: Anestésico dissociativo, que produz estado de dissociação neurológica sem reação a dor ou chamado verbal (analgesia profunda e amnésia). Interage com diversos receptores, inclusive opioides e colinérgicos.
- Cetamina: 2 a 6 mg/kg IM, ou 0,25 a 0,5 mg/kg IV, seguido por 0,5 a 1 mg/kg/h IV contínuo.
- Haloperidol: Medicamento de escolha para o estado de agitação e delirium. Pode desencadear sintomas extrapiramidais.
- Haloperidol: 0,5 a 10 mg IM ou IV – Agitação leve a intensa – seguido por manutenção de 2 a 10 mg a cada 2 a 8h. Em pacientes conscientes, a via de administração pode ser oral, desde que não haja risco de broncoaspiração. O uso intravenoso, apesar de questionável (potencializa chance de efeitos adversos) é prática amplamente difundida no Brasil.
Referências
- Diretrizes de sedação (conduta médica em Terapia Intensiva) – Portal PEBMED
- Sedation in ICU – Life in the Fast Lane