Princípios da analgesia adequada
- A escolha do medicamento a ser utilizado está na dependência direta da intensidade da dor.
- A dor deve ser monitorada da mesma forma que o grau de sedação, junto aos demais dados vitais do paciente.
- A dor deve ser controlada com as menores doses possíveis.
- As doses devem ser reavaliadas continuamente, para que haja controle total da dor. Em pacientes sob analgesia e sem dor, deve-se tentar a redução das doses utilizadas.
Protocolo de analgesia para UTI
1. Avaliação da Dor
- Escalas de Avaliação da Dor:
- Adultos conscientes: Utilizar a Escala Visual Analógica (EVA).
- Pacientes não comunicativos: Utilizar a Behavioral Pain Scale (BPS).
2. Objetivos do Tratamento
- Aliviar a dor de forma eficaz.
- Minimizar efeitos colaterais.
- Melhorar a qualidade de vida e funcionalidade do paciente.
3. Tratamento Inicial
- Dor leve a moderada:
- Paracetamol: 500-1000 mg IV/VO a cada 6-8 horas, máximo de 4 g/dia.
- Dipirona: 1-2 g IV a cada 6 horas, máximo de 8 g/dia (evitar, caso possa mascarar um estado febril).
- Dor moderada a severa:
- Opióides:
- Morfina: 1-2 mg IV a cada 1-2 horas conforme necessário.
- Fentanil: 25-50 mcg IV a cada 1-2 horas conforme necessário.
- Remifentanil: 0.05-2 mcg/kg/min, ajustar conforme resposta.
- Opióides:
4. Tratamento Adjuvante
- AINEs (se não contraindicado):
- Ibuprofeno: 400-800 mg VO a cada 6-8 horas.
- Co-analgésicos:
- Gabapentina: Iniciar com 100-300 mg VO à noite, titular conforme necessário.
- Pregabalina: Iniciar com 50 mg VO BID, titulação conforme resposta.
5. Tratamento Contínuo
- Infusões contínuas de opióides:
- Morfina: 1-10 mg/h IV, titulação conforme resposta.
- Fentanil: 50-200 mcg/h IV, titulação conforme resposta.
- Remifentanil: 0.1-0.5 mcg/kg/min, ajustar conforme resposta.
6. Monitoramento e Ajustes
- Avaliar a dor a cada 1-2 horas até a estabilização, depois a cada 4-6 horas.
- Monitorar sinais vitais, nível de sedação (Escala de Ramsay) e possíveis efeitos colaterais (náusea, constipação, depressão respiratória).
7. Tratamento de Efeitos Colaterais
- Náusea/Vômito:
- Ondansetrona: 4-8 mg IV a cada 8 horas conforme necessário.
- Bromoprida: 10 mg IV a cada 6 horas conforme necessário.
- Constipação:
- Laxantes: Lactulose 10-20 g VO BID.
- Aumentar a ingestão de líquidos e fibras (se possível).
- Depressão respiratória:
- Ajustar a dose de opióides.
- Considerar uso de naloxona (0.1-0.4 mg IV) em casos graves.
8. Reavaliação e Ajustes
- Reavaliar frequentemente a eficácia da analgesia e ajustar doses conforme necessário.
- Considerar consulta com especialista em dor se a dor não for controlada adequadamente.
9. Documentação
- Registrar todas as avaliações de dor, medicações administradas e respostas ao tratamento no prontuário do paciente.
Este protocolo deve ser adaptado às condições específicas de cada paciente
Escala Visual Analógica (EVA)
A Escala Visual Analógica (EVA) é uma ferramenta amplamente utilizada para medir a intensidade da dor de um paciente. Ela é simples, eficaz e fácil de usar. Aqui está um exemplo de como a EVA é representada:
Instruções para o Paciente
- Explique a escala ao paciente: “Esta linha representa a intensidade da sua dor. O ponto ‘0’ significa que você não tem dor, e o ponto ’10’ significa a pior dor possível que você possa imaginar.”
- Pedir ao paciente para marcar a dor: “Por favor, marque um ponto ao longo desta linha que representa a intensidade da dor que você está sentindo agora.”
Interpretação
- 0: Sem dor.
- 1-3: Dor leve.
- 4-6: Dor moderada.
- 7-10: Dor intensa.
A marcação do paciente na linha é então medida em milímetros ou centímetros para fornecer uma pontuação numérica para a dor. Esta pontuação pode ser usada para avaliar a eficácia dos tratamentos de dor e monitorar a progressão da dor ao longo do tempo.
Behavioral Pain Scale (BPS)
A Behavioral Pain Scale (BPS) é utilizada para avaliar a dor em pacientes não comunicativos, especialmente aqueles sob ventilação mecânica na UTI. A BPS consiste em três categorias: expressão facial, movimentos dos membros superiores e conformidade com a ventilação. Cada categoria é pontuada de 1 a 4. A soma das pontuações fornece uma indicação do nível de dor do paciente.
Categorias e Pontuações da BPS
- Expressão facial:
- 1: Relaxado
- 2: Contração parcial (sobrancelhas franzidas, olhos parcialmente fechados)
- 3: Contração completa (sobrancelhas fortemente franzidas, olhos completamente fechados)
- 4: Contração total (olhos cerrados, movimentos faciais extremos)
- Movimentos dos membros superiores:
- 1: Nenhum movimento
- 2: Flexão parcial (movimentos esporádicos)
- 3: Flexão completa (movimentos frequentes)
- 4: Rigidez (movimentos intensos e contínuos)
- Conformidade com ventilação (pacientes ventilados):
- 1: Tolera movimento
- 2: Tosse ocasional
- 3: Tosse frequente, dificuldade com a ventilação
- 4: Combate a ventilação
Categoria | 1 | 2 | 3 | 4 |
---|---|---|---|---|
Expressão facial | ||||
Movimentos dos membros | ||||
Conformidade com ventilação |
Esta tabela pode ser usada por profissionais de saúde para avaliar rapidamente a dor de pacientes não comunicativos em uma UTI.
Classificação do Nível de Dor
A pontuação total da BPS varia de 3 a 12, onde:
- 3: Sem dor
- 4-6: Dor leve
- 7-9: Dor moderada
- 10-12: Dor intensa
Exemplo de Aplicação da BPS
Vamos considerar um exemplo de um paciente ventilado:
- Expressão facial: Contração completa (3 pontos)
- Movimentos dos membros superiores: Flexão parcial (2 pontos)
- Conformidade com ventilação: Tosse frequente (3 pontos)
A pontuação total seria: 3 (expressão facial) + 2 (movimentos dos membros) + 3 (ventilação) = 8 pontos
Com 8 pontos, o paciente estaria classificado com dor moderada.
Tabela Resumo da BPS
Categoria | 1 | 2 | 3 | 4 |
---|---|---|---|---|
Expressão facial | Relaxado | Contração parcial | Contração completa | Contração total |
Movimentos dos membros | Nenhum movimento | Flexão parcial | Flexão completa | Rigidez |
Conformidade com ventilação | Tolera movimento | Tosse ocasional | Tosse frequente | Combate a ventilação |
Classificação da Dor
Pontuação Total | Nível da Dor |
---|---|
3 | Sem dor |
4-6 | Dor leve |
7-9 | Dor moderada |
10-12 | Dor intensa |
Considerações sobre analgesia em UTI
- A avaliação da dor faz parte da monitorização de dados vitais do paciente.
- O paciente em pós-operatório imediato deve receber analgesia de rotina e não apenas se houver queixa de dor. Isso é válido também para aqueles pacientes com cateter epidural.
- Em pacientes sob ventilação mecânica, utiliza-se preferencialmente fentanil ou morfina, como parte do esquema de sedação.
- Em pacientes de pós-operatório eletivo com dor leve, sem morbidade renal ou péptica e com idade abaixo de 60 anos, pode ser considerado o uso de antiinflamatórios não hormonais. Entretanto, seu uso está associado com complicações importantes nos pacientes internados nas unidades de terapia intensiva, como disfunção plaquetária, hemorragia digestiva e insuficiência renal, o que contraindica seu uso em pacientes criticamente enfermos. A associação com os opióides pode trazer vantagens do ponto de vista da analgesia, pois têm locais e mecanismos de ação diferentes.
- Em pacientes de pós-operatório fora de VM e com dor leve/moderada, indica-se o tramadol, 100 mg a cada 6 horas associado a dipirona 2 ml a cada 6 horas, de forma alternada. Após 48 horas de cirurgia, no máximo, a dipirona deve ser suspensa para que não dificulte o diagnóstico de um possível estado febril. A dose do tramadol pode ser aumentada para até 600 mg/dia. Em casos refratários, pode-se também optar por uso em infusão contínua durante as 24 horas, nas mesmas doses. A presença de dor intensa constitui indicação para o uso de fentanil ou morfina em baixas doses.
- Nos demais pacientes críticos com dor leve/moderada, o tramadol também está indicado, embora sem associação com dipirona, nas mesmas doses e formas de infusão. No que tange a dor intensa, deve-se igualmente utilizar fentanil ou morfina. Analgesia com cateter epidural (na ausência de bomba de PCA)
- Todos os pacientes com cateter epidural devem receber analgesia por essa via preferencialmente e não por via venosa.
- É obrigatório testar o cateter a cada aplicação da solução analgésica, certificando-se de que o mesmo ainda se encontra no espaço epidural.
- Os efeitos colaterais dos opióides incluem prurido, sedação, depressão respiratória, episódios de náuseas, vômitos e retenção urinária.
- Quando administrado anestésico local associado, deve-se avaliar pressão arterial, freqüência respiratória e grau de parestesia.
- A prescrição deve ser iniciada imediatamente após a admissão do paciente, mesmo na ausência de dor. Caso o paciente tenha recebido morfina pelo cateter ao final do ato operatório, a administração deve começar em torno de 18 horas após a aplicação, exceto se o paciente referir dor antes desse período. Isso se deve ao longo tempo de ação da morfina quando injetada no espaço epidural.