Bloqueadores Neuromusculares – BNM

Os bloqueadores neuromusculares – BNM – bloqueiam a transmissão de impulsos na junção neuromuscular, assim paralisando a musculatura esquelética.

Eles bloqueiam a ligação da acetilcolina (Ach) na placa motora, seja por ligar-se aos receptores colinérgicos (bloqueadores despolarizantes) ou por criar inibição competitiva com o receptor de Ach na placa motora.

1. Introdução

Bloqueadores neuromusculares (BNMs) são usados em UTI para facilitar a ventilação mecânica, reduzir o consumo de oxigênio, melhorar a sincronia com o ventilador, e diminuir o risco de lesões pulmonares induzidas por ventilação. Este protocolo visa orientar o uso seguro e eficaz desses medicamentos.

2. Indicações

  • Controle da pressão intracraniana em pacientes com trauma cranioencefálico
  • Associado à sedação, facilitação da intubação;
  • Na hipoxemia grave e refratária (SDRA grave – P/F < 100), diminuição do trabalho respiratório e consumo de oxigênio por abolir o tônus muscular.
  • Inadaptação à ventilação mecânica, apesar de sedação adequada (evita a dissincronia com o ventilador mecânico)
  • Tremor no tratamento por hipotermia após parada cardíaca
  • Situações em que movimentos involuntários ou dissincronia com o VM possam ser deletérios:
    • Tétano ou síndrome neuroléptica maligna
    • Hemoptise severa ou sangramentos controlados
    • Hipertensão intracraniana
    • Síndrome do compartimento abdominal

3. Contraindicações

  • Miastenia gravis
  • Doenças neuromusculares descompensadas
  • Hipersensibilidade aos BNMs

4. Seleção do Bloqueador Neuromuscular

  • Cisatracúrio: Preferido em pacientes com disfunção renal ou hepática.
  • Rocurônio: Utilizado quando é necessário um bloqueio rápido e de curta duração.
  • Vecurônio: Alternativa ao rocurônio, com perfil similar.
  • Pancurônio: Usado menos frequentemente devido à sua longa duração de ação e efeitos cardiovasculares.

5. Dosagem Inicial e Manutenção

  • Cisatracúrio: Dose inicial: 0.1-0.2 mg/kg em bolus. Manutenção: 1-3 mcg/kg/min por infusão contínua.
  • Rocurônio: Dose inicial: 0.6-1.2 mg/kg em bolus. Manutenção: 8-12 mcg/kg/min por infusão contínua.
  • Vecurônio: Dose inicial: 0.1 mg/kg em bolus. Manutenção: 1-2 mcg/kg/min por infusão contínua.
  • Pancurônio: Dose inicial: 0.08-0.1 mg/kg em bolus. Manutenção: 0.1-0.2 mg/kg/h por infusão contínua.

6. Monitoramento

  • TOF (Train-of-Four): Utilizado para monitorar o grau de bloqueio neuromuscular. Objetivo: 1-2 respostas em 4 estímulos. (Leia abaixo)
  • Função respiratória: Monitoramento contínuo da ventilação mecânica e dos gases arteriais.
  • Hemodinâmica: Monitoramento contínuo da pressão arterial e da frequência cardíaca.
  • Eletrólitos e função renal/hepática: Monitoramento regular.

7. Cuidados de Enfermagem

  • Reposicionamento regular para prevenir úlceras de pressão.
  • Higiene ocular para prevenir lesões corneanas.
  • Avaliação contínua de sinais de recuperação neuromuscular e ajuste da dosagem conforme necessário.

8. Suspensão do Bloqueio Neuromuscular

  • Redução gradual da infusão contínua.
  • Monitoração frequente com TOF.
  • Considerar a administração de agentes reversores (ex: neostigmina) conforme necessário e após consulta com o médico responsável.

9. Considerações Especiais

  • Necessidade de analgesia e sedação concomitantes.
  • Revisar diariamente a necessidade contínua de BNMs para minimizar o uso prolongado.

Train-of-Four (TOF)

1. Definição

O Train-of-Four (TOF) é uma técnica de monitoramento da função neuromuscular usada para avaliar o grau de bloqueio neuromuscular em pacientes recebendo bloqueadores neuromusculares (BNMs). Este método envolve a estimulação elétrica de um nervo periférico e a observação das respostas musculares.

2. Como Funciona

  • Estimulação: Um nervo periférico (geralmente o nervo ulnar no antebraço) é estimulado com quatro pulsos elétricos em rápida sucessão (2 Hz durante 2 segundos).
  • Respostas Musculares: As contrações musculares resultantes (geralmente observadas no músculo adutor do polegar) são avaliadas.

3. Interpretação dos Resultados

  • 4 respostas presentes (0-75% de bloqueio): Indica que menos de 75% dos receptores de acetilcolina estão bloqueados, sugerindo um bloqueio neuromuscular leve.
  • 3 respostas presentes (75-80% de bloqueio): Indica um bloqueio moderado.
  • 2 respostas presentes (80-90% de bloqueio): Indica um bloqueio significativo.
  • 1 resposta presente (90-100% de bloqueio): Indica um bloqueio profundo.
  • 0 respostas presentes (100% de bloqueio): Indica um bloqueio completo.

4. Importância Clínica

  • Ajuste da Dosagem de BNMs: O TOF ajuda a ajustar a dosagem dos BNMs para garantir um bloqueio adequado sem superdosagem.
  • Prevenção de Complicações: Monitorar o TOF pode prevenir complicações como a fraqueza muscular prolongada pós-uso de BNMs.
  • Avaliação da Recuperação: Aumentos nas respostas TOF indicam recuperação da função neuromuscular, auxiliando na decisão de descontinuar os BNMs.

5. Procedimento

  1. Preparação:
    • Limpar a pele do paciente e colocar os eletrodos sobre o nervo ulnar (ou outro nervo periférico apropriado).
    • Conectar os eletrodos ao estimulador de nervo.
  2. Estimulação:
    • Aplicar quatro estímulos elétricos de igual intensidade (2 Hz).
  3. Observação:
    • Observar as contrações musculares resultantes e contar o número de respostas visíveis.
  4. Registro:
    • Documentar o número de respostas e ajustar a terapia de BNMs conforme necessário.

6. Considerações Especiais

  • Localização dos Eletrodos: A correta colocação dos eletrodos é crucial para obter resultados precisos.
  • Variabilidade Individual: Respostas TOF podem variar entre pacientes; é importante correlacionar com a condição clínica.
  • Sedação Adequada: Pacientes devem estar adequadamente sedados para evitar desconforto durante a estimulação.

O TOF é uma ferramenta essencial na UTI para o manejo seguro e eficaz dos BNMs, garantindo que os pacientes recebam a dose adequada e prevenindo complicações associadas ao uso prolongado.

Considerações sobre BNM

Princípios de utilização

O uso de BNM deve se restrito ao máximo em virtude dos seus efeitos colaterais. Pode ocorrer disfunção neuromuscular após administração prolongada

A administração deve ser feita preferencialmente em bolus e a critério médico. Entretanto, em algumas situações pode ser feito infusão contínua. Nesses casos, deve-se evitar períodos prolongados (evitar mais de 48 horas).

O uso do pancurônio é preferencial. Entretanto, tem grande potencial taquicardizante e acumula-se na insuficiência renal ou hepática. Nessas situações, seu uso deve ser evitado, optando-se pelo atracúrio ou rocurönio.

O uso do rocurônio deve ser priorizado nos pacientes com história de hiperreatividade brônquica, pois o atracúrio é liberador de histamina e está contraindicado.

Monitorização do grau de bloqueio neuromuscular

A monitorização clínica (ausência de esforços inspiratórios detectáveis na análise gráfica das curvas de ventilação mecânica) é suficiente para avaliar o alvo desejado de bloqueio neuromuscular.

Recomenda-se uma avaliação periódica (idealmente 2 vezes ao dia; no mínimo, uma vez ao dia) da dose mínima para manter o alvo de bloqueio neuromuscular desejado (ausência de esforços inspiratórios detectáveis à análise gráfica).

Do nível de sedação

As escalas de sedação não são confiáveis uma vez que o paciente esteja sob bloqueio neuromuscular.

Recomenda-se titular a dose de sedativo para assegurar sedação profunda (RASS – 4 a – 5) antes de iniciar infusão contínua de bloqueadores neuromusculares.

Pular esta etapa pode levar a duas consequências imediatas:

  • O paciente pode permanecer curarizado sem um nível de sedação adequado;
  • Uso excessivo e desperdício de sedativos.

Recomenda-se não realizar redução de dose ou despertar diário de sedativos antes da interrupção e recuperação do bloqueio neuromuscular.

Estratégias para otimizar o consumo de bloqueadores neuromusculares

  • Indicação e uso criteriosos do medicamento (não iniciar uso apenas por relação pO2 /FIO2 baixa ou por assincronias sem realizar ajustes ventilatórios previamente);
  • Não utilizar soluções concentradas para infusão contínua, de modo a reduzir o desperdício da solução para preenchimento do equipo;
  • Reavaliação diária da necessidade de bloqueadores neuromusculares;
  • Reavaliação a cada 12 horas da dose mínima necessária para manter o alvo clínico desejado de bloqueio neuromuscular;
  • Em caso de uso de amino-ésteres (pancurônio ou rocurônio), pode-se suspender a infusão contínua no período da manhã e reiniciar quando houver esforços detectáveis (pode durar 6–12 horas dependendo da dose e duração da infusão contínua).

Estratégias para mitigar o risco de eventos adversos associados ao uso de bloqueadores neuromusculares

Acidose respiratória aguda / Parada cardiorrespiratória

  • Ajustar parâmetros ventilatórios inicialmente para manter o volume-minuto pré-curarização

Lesão de córnea

  • Proteção ocular com pomada oftálmica 1 vez ao dia e colírios lubrificantes 4–6 vezes ao dia;

Lesões por pressão

  • Mobilização de decúbito a cada 2 horas;

Polineuromiopatia do paciente crítico

  • Mobilização passiva no leito enquanto curarizado;
  • Uso pelo menor tempo possível na menor dose necessária;
  • Controle glicêmico se hiperglicemia sustentada (> 180 mg/dL);
  • Mobilização ativa precocemente após suspensão do bloqueio neuromuscular.

Cuidados Específicos e Monitoramento

  • Condições associadas ao tempo de circulação prolongado tais como doença cardiovascular, idade avançada e estado edematoso levando a um aumento do volume de distribuição, podem contribuir para um início de ação mais lento.
  • A duração da ação também pode ser prolongada devido à depuração plasmática reduzida.
  • Doença neuromuscular: Deve ser utilizado com extremo cuidado em pacientes com doença neuromuscular, ou após poliomielite, pois a resposta a agentes bloqueadores neuromusculares pode ser consideravelmente alterada nesses casos.
  • Pacientes com miastenia gravis ou com síndrome miastênica (Eaton-Lambert), pequenas doses de rocurônio podem ter efeitos acentuados; por isso, a dose deve ser ajustada individualmente, de acordo com o efeito, até que seja obtida a resposta desejada.
  • Hipotermia: Em cirurgias sob condições hipotérmicas, o efeito bloqueador neuromuscular de rocurônio é aumentado e sua duração prolongada.
  • Obesidade: Pode apresentar um prolongamento na duração e na recuperação espontânea em pacientes obesos quando administrado em doses calculadas com base no peso corporal real.
  • Queimaduras: Pacientes com queimaduras sabidamente desenvolvem resistência a agentes bloqueadores neuromusculares não despolarizantes. Recomenda-se que a dose seja ajustada à resposta.
  • Condições que podem aumentar os efeitos de rocurônio: Hipocalemia, hipermagnesemia, hipocalcemia, hipoproteinemia, desidratação, acidose, hipercapnia e caquexia. Distúrbios eletrolíticos graves, alteração do pH sanguíneo ou desidratação devem ser corrigidos quando possível.