Importância da Avaliação de Delirium
A identificação precoce do delirium é crucial, pois esta condição está associada a piores desfechos clínicos, incluindo maior mortalidade, estadias hospitalares prolongadas e declínio funcional. O uso dessas ferramentas padronizadas ajuda os profissionais de saúde a identificar rapidamente os sinais de delirium, permitindo intervenções oportunas para gerenciar a condição e melhorar os resultados para os pacientes.
O delirium se caracteriza por início agudo, curso flutuante, déficit de atenção, pensamento desorganizado e alteração do nível de consciência.
1. Identificação e Triagem
- Avaliação Inicial: Todos os pacientes na UTI devem ser avaliados diariamente para sinais de delirium.
- Ferramentas de Avaliação: Utilizar escalas validadas como CAM-ICU (Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit) ou ICDSC (Intensive Care Delirium Screening Checklist). Neste protocolo, utilizamos CAM-ICU.
2. Prevenção
- Ambiente: Manter um ambiente calmo e confortável, com iluminação adequada e mínima interrupção do sono.
- Sono: Implementar medidas para promover um ciclo sono-vigília adequado.
- Reorientação: Orientar o paciente regularmente sobre a hora, data, local e situação atual.
- Hidratação e Nutrição: Garantir uma hidratação e nutrição adequadas.
3. Intervenções Não-Farmacológicas
- Estimulação Cognitiva: Encorajar atividades cognitivas, como conversar, ler ou assistir TV.
- Mobilização: Incentivar a mobilização precoce sempre que possível.
- Uso de Óculos e Aparelhos Auditivos: Garantir que pacientes com deficiência visual ou auditiva utilizem seus óculos ou aparelhos auditivos.
4. Intervenções Farmacológicas
- Avaliação de Medicamentos: Revisar regularmente os medicamentos do paciente para identificar e, se possível, descontinuar aqueles que podem contribuir para o delirium (ex. benzodiazepinas, anticolinérgicos).
- Tratamento:
- Antipsicóticos: Considerar o uso de antipsicóticos em pacientes com delirium severo e agitação significativa que não respondem às intervenções não-farmacológicas.
- Haloperidol: Iniciar com 0,5-1 mg por via oral, intramuscular ou intravenosa, podendo repetir a cada 4-6 horas conforme necessário. Monitorar ECG devido ao risco de prolongamento do intervalo QT.
- Quetiapina: Iniciar com 25 mg por via oral, duas vezes ao dia, podendo aumentar gradualmente conforme necessário, até 200 mg/dia.
- Olanzapina: Iniciar com 2,5-5 mg por via oral, uma vez ao dia, podendo aumentar conforme necessário.
- Alternativas:
- Dexmedetomidina: Pode ser considerada em pacientes que requerem sedação e estão ventilados mecanicamente. Iniciar com infusão de 0,2-1.5 mcg/kg/hora.
- Risperidona: Iniciar com 0,5-1 mg por via oral, duas vezes ao dia, podendo aumentar conforme necessário.
- Antipsicóticos: Considerar o uso de antipsicóticos em pacientes com delirium severo e agitação significativa que não respondem às intervenções não-farmacológicas.
- Cuidados: Monitorar efeitos adversos dos antipsicóticos, incluindo sedação excessiva, hipotensão, e efeitos extrapiramidais.
5. Manejo do Delirium
- Monitoramento Contínuo: Avaliar diariamente a presença e gravidade do delirium utilizando as ferramentas de triagem.
- Documentação: Documentar todas as intervenções e a resposta do paciente às mesmas.
6. Educação e Treinamento
- Equipe de Saúde: Treinar regularmente a equipe da UTI sobre a identificação, prevenção e manejo do delirium.
- Familiares: Educar os familiares sobre o delirium, incluindo sua identificação e estratégias de manejo.
7. Suporte Familiar
- Envolvimento: Envolver a família no cuidado, incentivando visitas e a participação na reorientação do paciente.
- Informação: Fornecer informações claras e contínuas sobre o estado do paciente e as intervenções em andamento.
8. Reavaliação e Melhoria Contínua
- Revisão de Casos: Realizar revisões periódicas de casos de delirium na UTI para identificar áreas de melhoria no protocolo.
- Atualização de Protocolos: Manter o protocolo atualizado com base nas últimas evidências e melhores práticas.
Formulário CAM-ICU
Avaliação de Delirium pelo Método CAM-ICU
Paciente: ________________________
Data: ________________________
Hora: ________________________
Avaliador: ________________________
Etapa 1: Nível de Consciência
- ( ) Alerta: Paciente normalmente acordado (passe para a Etapa 2)
- ( ) Desperto e Sonolento: Despertável por voz (chamando) (passe para a Etapa 2)
- ( ) Sonolento ou Não Despertável: Despertável apenas por estímulos físicos ou não despertável (Delirium presente)
Etapa 2: Início Agudo ou Curso Flutuante
- ( ) Sim: Mudança aguda no estado mental ou curso flutuante (passe para a Etapa 3)
- ( ) Não: Sem mudança (Delirium ausente)
Etapa 3: Inatenção
- Teste de Letra-A: Pedir ao paciente para apertar a mão sempre que ouvir a letra “A” na sequência SAVEAHAART:
- Erros: _____ (Contar erros)
- Mais de 2 erros = Inatenção presente (passe para a Etapa 4)
- Menos de 2 erros = Inatenção ausente (Delirium ausente)
Etapa 4: Pensamento Desorganizado
- Questões: Perguntar ao paciente:
- “Uma pedra flutua na água?” (Não)
- “Você tem um martelo em sua mão direita?” (Sim)
- “Um peixe vive na terra?” (Não)
- “Dois quilos são mais pesados que um quilo?” (Sim)
- Respostas incorretas: _____ (Contar respostas incorretas)
- Mais de 1 erro = Pensamento desorganizado presente
- Menos de 1 erro = Pensamento desorganizado ausente
Diagnóstico de Delirium (CAM-ICU positivo)
- Delirium Presente: Se o paciente tiver:
- Alteração no nível de consciência (Etapa 1) E
- Início agudo ou curso flutuante dos sintomas (Etapa 2) E
- Inatenção (Etapa 3) E
- Pensamento desorganizado (Etapa 4) OU Alteração no nível de consciência (Etapa 1).
- ( ) Delirium Presente
- ( ) Delirium Ausente
Referências
- Guidelines for the management of pain, agitation, and delirium in adult patients in the intensive care unit. Critical Care Medicine, 2013.
- Delirium: prevention, diagnosis and management. NICE Clinical Guidelines, 2010.
Algumas considerações sobre delirium na UTI
O delirium pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais comum entre idosos.Quando ocorre delirium em pessoas mais jovens, geralmente é decorrente do uso de um fármaco (medicação ou droga recreativa) ou doença sistêmica potencialmente fatal.
As causas mais comuns do delirium são:
- Fármacos, particularmente anticolinérgicos, medicamentos ou drogas psicoativas e opioides
- Desidratação
- Infecção
Em cerca de 10 a 20% dos pacientes a causa não é identificada.
Os fatores predisponentes incluem distúrbios encefálicos (p. ex., demência, acidente vascular encefálico, doença de Parkinson), idade avançada, deficit sensorial (p. ex., visão ou audição prejudicada), intoxicação alcoólica e múltiplos distúrbios coexistentes.
Os fatores precipitantes incluem o uso de drogas, infecção, desidratação, choque, hipóxia, anemia, imobilidade, desnutrição, uso de catetéres vesicais, hospitalização, dor, falta de sono e estresse emocional. Insuficiência hepática ou renal não reconhecida pode causar delirium e toxicidade por fármacos prejudicando o metabolismo e reduzindo a depuração de um fármaco previamente bem tolerada.
A exposição recente à anestesia também aumenta o risco, em especial se a exposição for prolongada e ocorrer administração de anticolinérgicos durante a cirurgia. Após cirurgia, dor e uso de analgésicos opioides também podem contribuir para o delirium. A diminuição de estímulos sensitivos à noite pode deflagrar o delirium em pacientes de risco.
Para pacientes idosos em unidade de terapia intensiva, o risco de delirium (psicose de unidade de terapia intensiva) é particularmente alto. Estado epiléptico não convulsivo é uma causa sub-reconhecida do estado mental alterado em pacientes em UTI que deve ser considerada.