Manejo de Hemorragia Digestiva Alta (HDA)

1. Definição e Importância

A Hemorragia Digestiva Alta (HDA) é uma emergência médica caracterizada pelo sangramento no trato gastrointestinal proximal ao ligamento de Treitz. As causas mais comuns incluem úlceras pépticas, varizes esofágicas, gastrite erosiva, e síndromes de Mallory-Weiss.

2. Avaliação Inicial

2.1. História Clínica

  • Sintomas: hematêmese, melena, dor abdominal.
  • História de doença hepática, alcoolismo, uso de AINEs, anticoagulantes ou antiagregantes.
  • Histórico de sangramentos prévios ou doenças coexistentes.

2.2. Exame Físico

  • Avaliação de sinais vitais: frequência cardíaca, pressão arterial, frequência respiratória, saturação de oxigênio.
  • Sinais de choque hipovolêmico: taquicardia, hipotensão, pele fria e pegajosa.
  • Pesquisa de estigmas de doença hepática crônica: icterícia, ascite, circulação colateral abdominal.

2.3. Exames Laboratoriais

  • Hemograma completo.
  • Tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa).
  • Função hepática e renal.
  • Tipagem sanguínea e testes cruzados para transfusão.

3. Manejo Inicial

3.1. Estabilização Hemodinâmica

  • Acesso Venoso: Acesso venoso periférico de grande calibre (14-16G) ou, se necessário, acesso venoso central.
  • Reposição Volêmica:
    • Iniciar com 1-2 litros de cristaloides isotônicos (solução salina 0,9% ou Ringer lactato) rapidamente, monitorando a resposta hemodinâmica.
    • Em casos de choque hipovolêmico persistente, considerar a administração de coloides, como albumina.
  • Transfusão de Hemocomponentes:
    • Transfusão de concentrado de hemácias para manter a hemoglobina acima de 7 g/dL em pacientes estáveis e acima de 9 g/dL em pacientes com comorbidades ou instabilidade hemodinâmica.
    • Transfusão de plaquetas se contagem <50.000/mm³ e sangramento ativo.
    • Transfusão de plasma fresco congelado se INR >1,5 em pacientes com coagulopatia e sangramento ativo.

3.2. Medicações

  • Inibidores da Bomba de Prótons (IBPs):
    • Omeprazol: 80 mg IV em bolus seguido de 8 mg/h em infusão contínua. Esta dose deve ser mantida por 72 horas após a estabilização do paciente e controle do sangramento.
    • Diluição: O bolus de omeprazol pode ser administrado diretamente. A infusão contínua deve ser diluída em solução salina 0,9% ou glicose 5% (250 mL).
  • Octreotide:
    • Iniciar com um bolus de 50 mcg IV, seguido por uma infusão contínua de 50 mcg/h. Manter a infusão contínua por 2-5 dias, dependendo da resposta clínica e controle do sangramento.
    • Diluição: A infusão contínua de octreotide deve ser diluída em solução salina 0,9% ou glicose 5% (50-100 mL).

4. Diagnóstico e Tratamento Definitivo

4.1. Endoscopia Digestiva Alta (EDA)

  • Deve ser realizada dentro das primeiras 24 horas após a apresentação para diagnóstico e tratamento.
  • Intervenções endoscópicas: escleroterapia, bandagem elástica de varizes, coagulação com plasma de argônio, aplicação de clips hemostáticos.

4.2. Tratamento Farmacológico Adicional

  • Antibióticos profiláticos: ceftriaxona 1g IV diariamente por 7 dias para pacientes com cirrose e suspeita de sangramento varicoso.
  • Terlipressina (alternativa ao octreotide): 2 mg IV a cada 4 horas por 24 horas, seguido por 1-2 mg IV a cada 4 horas, dependendo da resposta clínica.

5. Monitoramento e Cuidados Adicionais

5.1. Monitoramento Hemodinâmico

  • Monitorização contínua de sinais vitais.
  • Reavaliação frequente do estado volêmico e hemodinâmico.

5.2. Reavaliação Laboratorial

  • Hemograma seriado para monitorar hemoglobina e hematócrito.
  • Função renal e eletrolítica.

5.3. Manejo de Complicações

  • Tratamento de falência renal aguda, síndrome hepatorrenal, encefalopatia hepática conforme necessário.

6. Dieta

6.1. Início da Dieta

  • A dieta deve ser iniciada após a estabilização hemodinâmica e o controle do sangramento ativo.
  • Geralmente, a dieta pode ser iniciada 24-48 horas após a realização da endoscopia, se não houver sinais de sangramento ativo.

6.2. Tipo e Consistência da Dieta

  • Fase Inicial: Iniciar com dieta líquida clara (água, chá, caldo claro) para avaliar a tolerância.
  • Progresso: Se tolerado, progredir para dieta líquida completa (sucos, gelatina, sopas) e depois para dieta pastosa.
  • Dieta Regular: Uma vez que o paciente demonstre boa tolerância e não apresente sinais de sangramento, progredir para dieta regular conforme orientação do nutricionista e condição clínica.
  • Temperatura da Dieta: A dieta deve ser preferencialmente em temperatura ambiente ou morna. Evitar alimentos muito quentes ou muito frios para reduzir a irritação da mucosa gastrointestinal.

7. Critérios de Alta e Seguimento

7.1. Critérios de Alta

  • Estabilidade hemodinâmica sustentada.
  • Ausência de sinais de sangramento ativo.
  • Orientações de seguimento adequado e ajuste de medicações conforme necessário.

7.2. Seguimento

  • Consulta com gastroenterologista para avaliação e manejo de causas subjacentes.
  • Considerar estratégias preventivas secundárias como erradicação de H. pylori, controle de varizes esofágicas, e modificação de fatores de risco.

8. Considerações Especiais

8.1. Pacientes com Coagulopatia

  • Correção de coagulopatias com plasma fresco congelado ou concentrado de complexo protrombínico, se necessário.
  • Vitamina K em pacientes com deficiência (particularmente se em uso de antagonistas da vitamina K).

8.2. Profilaxia para Re-hemorragia

  • Manutenção de IBPs orais após estabilização inicial.
  • Considerar terapia endoscópica adicional ou cirurgia em casos de alto risco ou falha da terapia inicial.