Protocolo de Sepse

1. Triagem e Identificação Precoce

Critérios de Triagem – SIRS (Systemic Inflammatory Response Syndrome):

  • Temperatura corporal > 38°C ou < 36°C.
  • Frequência cardíaca > 90 bpm.
  • Frequência respiratória > 20 incursões/min ou PaCO₂ < 32 mmHg.
  • Contagem de leucócitos > 12.000/mm³, < 4.000/mm³, ou > 10% de formas imaturas.

Ação Imediata:

  • Se o paciente atender a 2 ou mais critérios de SIRS e houver suspeita de infecção, iniciar protocolo de sepse.

2. Primeira Hora: Pacote de Cuidados da Primeira Hora

Intervenções dentro da primeira hora:

  1. Medir o lactato sérico: se lactato inicial > 2 mmol/L, repetir em 2-4 horas.
  2. Obter culturas: hemocultura, urocultura, secreção traqueal (se possível) e culturas de outros sítios possíveis antes de administrar antibióticos, se possível.
  3. Administrar antibióticos de amplo espectro: iniciar o mais rápido possível, preferencialmente dentro da primeira hora.

Escolha de Antibióticos (Baseado nos Guidelines do Brasil):

  • Pneumonia Adquirida na Comunidade:
    • Leve a Moderada: Amoxicilina-Clavulanato 1,2 g IV a cada 8 horas + Claritromicina 500 mg IV a cada 12 horas ou Levofloxacino 750 mg IV a cada 24 horas.
    • Grave: Piperacilina-Tazobactam 4,5 g IV a cada 6 horas + Levofloxacino 750 mg IV a cada 24 horas.
  • Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAVM):
    • Cefepime 2 g IV a cada 8 horas + Vancomicina 15-20 mg/kg IV a cada 8-12 horas ou Linezolida 600 mg IV a cada 12 horas.
  • Infecção do Trato Urinário:
    • Não Complicada: Ceftriaxona 1-2 g IV a cada 24 horas ou Ciprofloxacino 400 mg IV a cada 12 horas.
    • Complicada/Urosepse: Piperacilina-Tazobactam 4,5 g IV a cada 6 horas ou Meropenem 1 g IV a cada 8 horas.
  • Infecção Intra-abdominal:
    • Sem Peritonite Difusa: Piperacilina-Tazobactam 4,5 g IV a cada 6 horas ou Ceftriaxona 1-2 g IV a cada 24 horas + Metronidazol 500 mg IV a cada 8 horas.
    • Com Peritonite Difusa: Meropenem 1 g IV a cada 8 horas ou Imipenem-Cilastatina 500 mg IV a cada 6 horas.
  • Infecção de Pele e Tecidos Moles:
    • Leve a Moderada: Cefazolina 1-2 g IV a cada 8 horas.
    • Grave/Necrotizante: Vancomicina 15-20 mg/kg IV a cada 8-12 horas + Piperacilina-Tazobactam 4,5 g IV a cada 6 horas.
  • Infecção por Cateter Venoso Central:
    • Vancomicina 15-20 mg/kg IV a cada 8-12 horas + Cefepime 2 g IV a cada 8 horas.
  • Meningite Bacteriana (Infecção do SNC):
    • Ceftriaxona 2 g IV a cada 12 horas + Vancomicina 15-20 mg/kg IV a cada 8-12 horas + Ampicilina 2 g IV a cada 4 horas (se suspeita de Listeria monocytogenes).
  • Artrite Séptica:
    • Ceftriaxona 1-2 g IV a cada 24 horas ou Cefazolina 1-2 g IV a cada 8 horas.
    • Adicionar Vancomicina 15-20 mg/kg IV a cada 8-12 horas se suspeita de infecção por MRSA.
  • Broncoaspiração:
    • Piperacilina-Tazobactam 4,5 g IV a cada 6 horas ou Cefepime 2 g IV a cada 8 horas + Metronidazol 500 mg IV a cada 8 horas.

3. Primeiras Seis Horas

Reposição Volêmica:

  • Cristaloides: Administrar 30 ml/kg de cristaloides IV (solução salina 0,9% ou Ringer lactato) nas primeiras 3 horas.
  • Reavaliação após reposição inicial:
    • Avaliar sinais de sobrecarga de volume (edema pulmonar, aumento da pressão venosa central).
    • Se necessário, considerar uso de coloides (albumina) para pacientes que requerem grandes volumes de cristaloides.

Monitoramento e Ajustes:

  • Reavaliar o estado de volume e a perfusão hemodinâmica:
    • Exame físico focado (ausculta cardíaca, ausculta pulmonar, avaliação de pele).
    • Medição da pressão venosa central (PVC).
    • Medição da saturação venosa de oxigênio (ScvO2).
    • Realizar ultrassonografia se disponível.
    • Realizar testes de função cardíaca (ecocardiograma).
  • Repetir a medição do lactato se o lactato inicial estiver elevado para guiar a ressuscitação.

4. Monitoramento Contínuo e Suporte

Monitoramento:

  • Sinais vitais contínuos (frequência cardíaca, pressão arterial, frequência respiratória, saturação de oxigênio).
  • Pressão Arterial Média Invasiva (se paciente em choque).
  • Gasometria arterial e lactato conforme necessário.
  • Monitoramento de diurese.

Gasometria arterial:

  • Realizar gasometria arterial para avaliar o estado ácido-base e a oxigenação.
  • Monitorar PaO₂, PaCO₂, pH e HCO₃⁻ para identificar hipóxia, hipercapnia e acidose metabólica ou respiratória.
  • Repetir conforme necessário para guiar intervenções terapêuticas.

Monitoramento do lactato:

  • Medir lactato sérico inicial e repetir a cada 2-4 horas até normalização ou estabilização.
  • Lactato elevado (> 2 mmol/L) indica hipoperfusão e necessidade de reavaliação e intervenção agressiva.
  • Redução gradual do lactato indica melhora da perfusão tecidual.

Monitoramento da diurese:

  • Inserir cateter urinário para monitorização precisa da diurese.
  • Monitorar diurese horária e diária para avaliar função renal e resposta à ressuscitação volêmica.
  • Diurese < 0,5 ml/kg/h pode indicar hipoperfusão renal ou insuficiência renal aguda.
  • Ajustar terapia de fluidos e medicamentos conforme a diurese e outros parâmetros hemodinâmicos.

Suporte:

  • Ventilação mecânica se necessário.
  • Suporte hemodinâmico com fluidos adicionais e vasopressores conforme indicado.
    • Drogas vasoativas:
      • Noradrenalina: Primeira escolha. Iniciar a 0,05-0,1 µg/kg/min e titular para atingir PAM ≥ 65 mmHg.
      • Adrenalina: Adicionar se a noradrenalina não for suficiente. Dose inicial de 0,05 µg/kg/min.
      • Vasopressina: Considerar adição de 0,03 unidades/min se necessidade de altas doses de noradrenalina.
      • Dobutamina: Considerar em pacientes com disfunção miocárdica ou sinais de hipoperfusão persistente apesar de volume adequado e uso de vasopressores.
  • Antibioticoterapia direcionada: Ajustar conforme resultados de culturas e sensibilidades.
  • Controle glicêmico rigoroso:
    • Monitorar glicemia capilar a cada 1-2 horas até estabilização.
    • Após estabilização, monitorar a cada 4-6 horas.
    • Manter glicemia entre 140-180 mg/dL.
  • Nutrição adequada: Iniciar nutrição enteral dentro de 24-48 horas se possível.

5. Avaliação do Sítio Infeccioso

Potenciais Sítios Infecciosos:

  • Pulmonar: pneumonia, abscessos pulmonares, infecção do trato respiratório inferior.
  • Abdominal: peritonite, abscessos intra-abdominais, colangite.
  • Urinário: pielonefrite, cistite, urosepse.
  • Pele e Tecidos Moles: celulite, fasceíte necrosante, infecção de feridas.
  • Central Nervoso: meningite, abscessos cerebrais.
  • Endovascular: endocardite, infecções de cateteres vasculares.
  • Ósseo e Articular: osteomielite, artrite séptica.
  • Outros: infecções associadas a dispositivos médicos, como próteses.

6. Revisão Diária

Reavaliação diária:

  • Ajuste da terapia antimicrobiana baseada em resultados de culturas e clínica.
  • Revisão da necessidade de vasopressores e fluidos.
  • Avaliação da necessidade de suporte ventilatório e desmame se possível.
  • Avaliação de possíveis fontes de infecção para intervenção (drenagem de abscessos, remoção de cateteres infectados, etc.).